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Conversar um par de horas com Lira Marques (Maria Lira Marques Borges) faz a gente abrir o coração e a imaginação. Sua figura frágil, sensível e delicada esconde uma mulher sabedora de sua história e da história de seu povo do Vale do Jequitinhonha.
“Eu nasci nesta mesma rua, em 1945, e aqui me criei. Daqui não saio mais, não. Comecei a mexer com o barro porque via minha mãe fazer umas pecinhas e uns presépios que distribuía para as famílias da rua, como presente. Ela nunca vendeu. A única vez que vendeu foi um presépio para o Frei Chico – um amigo e mentor – e outro para um alemão. Mas, antes disso, eu fazia umas coisinhas com cera de abelha, que pegava do meu pai. Ele era sapateiro e usava a cera para passar na linha de costura. Minha mãe não queimava o barro. Para dar maior segurança, misturava com cinza ou com trigo. Eu queria saber mais e por isso fui perguntar para Joana Poteira, uma vizinha já de idade, mas que conhecia muito bem o barro. Com ela, aprendi tudo. A cavoucar o barreiro, a tirar o barro na lua certa, a preparar e a cozinhar. Fiz um pequeno forno e com ela aprendi essa arte.”
Para encurtar a história, que é longa e linda, Lira Marques foi se descobrindo. “Comecei a procurar nos livros as coisas da África e dos índios, porque sou descendente deles dois. Com Frei Chico, fundamos o Coral dos Trovadores do Vale e copiamos os cantos do povo do Jequitinhonha – de trabalho, religiosos e de folguedos.” Nos anos 1970, duas secas bravas parecem ter regado as raízes que Lira Marques procurava. “Nosso povo é sofrido. Foi vendo esse sofrimento que fiz minha primeira peça (Pessoas brotando da terra que dá sustento ao Cruzeiro). Porque foi isso que vi, o povo pedindo, carregando água e pedras lá para o alto. Uma penitência.”
Depois, Lira Marques começou seu trabalho com máscaras. Aqui, os traços africanos e indígenas ganharam uma plenitude sem igual. Ela começou a pesquisar as cores dos barros e hoje pinta pedaços de panos e fibras naturais para ornamentar suas máscaras. Com o barro, Lira Marques também começou a pintar. Seus quadros possuem uma poética que transcende qualquer escola. Suas tintas são os barros, suas texturas são a terra e as pedras, e seus desenhos são o lirismo e a beleza que emanam de um ser assim tão especial e humano. |