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No bairro rural de Limpo Grande, em Várzea Grande, bem próximo de Cuiabá (MT), tecer rede lavrada é uma tradição que passa de mãe para filha há tanto tempo que ninguém lembra como tudo começou. Ali, toda uma comunidade de redeiras ajuda na subsistência de suas famílias. Acocoradas ao pé de teares de quadro vertical, as mulheres manejam fios com destreza e precisão.
Dona Maria José da Costa é uma delas. Aprendeu bem cedo a arte de tecer rede lavrada, herança legada pelos portugueses. Também sabe a tecelagem indígena, igualmente trabalhada no mesmo tipo de tear e quase sempre em listras coloridas.
“Eu aprendi com minha mãe, mas quando pequena ia escondido na casa da vizinha. Minha mãe não queria que eu tecesse porque achava que eu ainda era muito criança. Mas, quando viu, eu já sabia. Hoje em dia tem menina que aos 10 anos já se senta ao lado da mãe e vai aprendendo. É isso que a gente sabe fazer. Aqui, os homens trabalham na lavoura, e as mulheres tecem, mas não pense que é fácil viver de tecer rede.”
Dona Maria explica que a rede lavrada exige muita atenção, embora ela vá puxando os fios coloridos enquanto conversa, como se as mãos já soubessem desde sempre o desenho que vão executar.
Só para a urdidura, que vai sustentar o fundo da rede, são precisos cerca de 16 quilos de linha. Depois, as linhas coloridas para o bordado, ou lavrado.
“Tem que saber puxar o liço direitinho, senão não fica bom. A linha da urdidura também tem que ser firme e densa. O tecido fica muito forte e a rede dura para toda a vida. A gente trabalha mais de 30 dias, oito horas por dia, para terminar uma rede. Depois tem a varanda, que é esse barrado feito como se fosse rede de pesca, que depois a gente lavra (borda) no bastidor.”
Ironia do destino ou mera necessidade, Dona Maria diz que há 40 anos tece redes lavradas, mas em sua casa não tem nenhuma.
Ela dorme em uma cama. Nunca dormiu em rede lavrada. |