|
A mania que Cícero Alves dos Santos tem, de juntar tudo o que estiver à sua volta, lhe valeu o apelido de Véio. “Eu nasci em 1947, aqui em Nossa Senhora da Glória, e sempre estive ligado às coisas do passado, à história do sertão. O sertanejo não tinha nenhum conhecimento, não sabia escrever e nem ler. Os ofícios de maior valor eram o do ferreiro e o do carpinteiro. O pedreiro era menos, porque as casas eram de taipa. Eu via tudo isso, via as casas das fazendas e guardava tudo que me davam. Fui fazendo o meu museu para contar a história do sertão.
A história do homem sertanejo. A história da elite do sertão não me interessa. Por isso, cedi para a Universidade 4 mil peças que têm a ver com essa elite.”
O seu museu é também o seu ateliê de trabalho. No primeiro cômodo, Véio mostra um passado ainda não tão distante, mas que se perderia não fosse a sua persistência – são os modos de ser e viver o sertão. “Eu, aqui, trabalho sozinho. O sertão não dá sobrevivência artística pra ninguém. A gente faz arte, mas tem que trabalhar na roça, ter criação. Afinal, a base primitiva de tudo é mesmo a agricultura. Nas horas de lazer, tem a arte, que é para satisfação pessoal.”
Véio encontra nos troncos e galhos que aparecem em seu caminho o material para sua arte. “Eu comecei bem criança. Aos 5 anos, já fazia coisinhas com cera de abelha, que parece uma massa de modelar, mas, com o progresso chegando, as abelhas manduri foram embora. Depois tentei o barro. Não achei que era bom, porque tem que levar no fogo e aí deixa de ser barro. Então tentei a madeira. Aqui tem muita. A gente vai pegar nos loteamentos que abrem, nas derrubadas que fazem por aí.
É a imburana. Madeira do sertão. Vou fazendo o que gosto. Não faço encomenda para ninguém. Eu crio, e se alguém gostar, tudo bem.
São minhas criaturas.”
Véio faz desde miniaturas até esculturas gigantescas como cabeças de ex-votos. Vai registrando e resgatando tudo o que sabe. Cenas domésticas, folguedos, lendas, cenas de trabalho, cenas religiosas, a fauna e a flora sertanejas. Suas miniaturas encantam pela riqueza de detalhes, e ele não usa óculos nem lupa nesse trabalho.
Na entrada de sua casa – seu Museu do Sertão –, esculturas de galhos imensos de árvores dão as boas-vindas. “Mas o povo aqui é ignorante. Começaram a destruir tudo, dizendo que era coisa do diabo, de macumba. Por isso, tirei várias e guardei lá dentro. Eu nunca aprendi com ninguém. Trabalho com a forma como ela é. É uma criatura minha e com ela eu vou para onde eu imaginar.” |