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O rio São Francisco corre manso ali por Pirapora, a não ser em épocas de grandes enchentes, que já deram muita dor de cabeça para toda a cidade.
Ali, quando Dona Antônia Zulma Diniz ainda era solteira, moça de família aprendia desde cedo os pontos de bordado: ponto-atrás, corrente, sombra, cheio, rococó, só para lembrar alguns. Ela casou e levou no baú o seu novo sobrenome – Dona Antônia Diniz Dumont – e o enxoval, todo bordado por ela mesma. Os filhos nasceram e ganharam roupinhas bordadas por aquelas mãos tão dedicadas. Eles cresceram, casaram também e ganharam o mundo. Mais exatamente, Brasília (DF) e
Tiradentes (MG).
Dona Antônia Dumont continuou bordando. Para os netos e para poder seguir contando as histórias que bordava na saia dos vestidos das filhas. Filhas e netas também aprenderam a arte das linhas e agulhas e mostram-se tão talentosas como a mestra. Cada uma delas possui um pano de amostras de pontos de bordado e motivos variados, igual ao que Dona Antônia guarda com carinho entre suas linhas e agulhas.
Depois de grande, o filho Demóstenes, artista plástico radicado em Tiradentes, desenhava os motivos ou as histórias. As filhas Sávia, Ângela, Martha e Marilu, todas morando em Brasília, davam conta do resto, agora com a ajuda de suas filhas, que herdaram da avó a paixão pelo bordado. Uma riscava o desenho no pano e juntas começavam a bordar. Quando uma cansava, passava para a outra, que depois enviava pelo correio para a mãe. Por sua vez, Dona Antônia Dumont bordava mais um pouco, acertava pequenos detalhes e devolvia o pano, que assim ia passando de mão em mão até ficar pronto. Resultado: um quadro, pintado com linhas e agulhas por toda a família.
O sucesso foi muito grande e logo os bordados da família Dumont ilustraram livros infantis e cobriram paredes de galerias de arte em todo o Brasil.
“Nunca tivemos problemas com essa história dos panos irem e virem. O correio funciona bem. Agora, não pense você que aceitamos tudo. Às vezes, uma desmancha um pedacinho que a outra fez. Outra hora, a gente muda um pouquinho o desenho, mas, no fim, os bordados aparecem como se tivessem vida própria”, conta Dona Antônia.
Os Dumont ilustraram, por exemplo, o último livro infantil de Jorge Amado e as cenas desenhadas por Demóstenes têm um tema recorrente: a infância, o rio São Francisco com suas lendas, seus barcos, suas carrancas, Minas Gerais e a moderna Brasília. Impossível não se emocionar com essas pinturas. E pode olhar o avesso. É perfeito. |