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Ana Leopoldina dos Santos nasceu no sertão de Ouricuri (PE), em 1923. Fugindo da seca com a família, foram parar em Petrolina porque ouviram falar que lá havia um rio que não secava. Até então, ela nunca tinha visto uma carranca de barco. “Minha mãe conta que vieram a pé, com os pertences no lombo de um jegue. Viajavam de noite e descansavam durante o dia por causa do calor. Isso foi até Paulistânia, no Piauí. De lá, vieram de trem”, recorda Maria da Cruz Santos, filha de Ana Leopoldina – a Ana das Carrancas, que está muito debilitada por causa de um derrame recente. Maria da Cruz tornou-se sua voz e seu alento.
A mãe de Ana era louceira e foi com ela que aprendeu a modelar. Fazia e colocava na feira para vender. Com uma vida atribulada, filhos para criar, Ana encontrou paz com o seu segundo marido. Cego, ele tornou-se seu braço direito, ajudando-a a preparar o barro para trabalhar como se enxergasse cada milímetro à sua volta. “Minha mãe dizia que agora tinha um marido que teria olhos só para ela, não ficaria olhando outras mulheres.“ Em homenagem a ele, Ana passou a furar os olhos das carrancas que faz.
Maria da Cruz conta que sua mãe encontrou o barro e as carrancas com um aviso divino. “Segundo ela conta, viu um pé de muçambê no caminho e disse ao marido que ali deveria ter barro bom. Pegou uma enxada e começou a cavoucar. O atrito do barro numa pedra levantou faíscas e ela acreditou ser um aviso dos céus. Ajoelhou, rezou e com esse primeiro pedaço de barro fez uma carranca, como a que viu em um barco abandonado ali perto. Trouxe para casa, terminou. No dia da feira de Petrolina, colocou a carranca junto com a louça. O pessoal mangava muito. Juntou muita gente e, sempre que isso acontecia, alguém comprava alguma coisa. Até que um dia vieram uns jornalistas do Recife e tudo mudou.”
Maria da Cruz sempre acompanhou a mãe, que a obrigou a estudar. “Ela dizia que quem vive de arte é museu, que eu tinha que me preparar. Fiz o magistério e hoje trabalho aqui neste espaço que a Prefeitura construiu para ela (Centro de Arte e Cultura Ana das Carrancas).
Aqui também faço minhas esculturas e ensino a esculpir o barro. Eu gosto mais de rostos humanos e de máscaras africanas. Minha mãe conta que meu bisavô pertenceu ao Quilombo de Palmares. Deve ser por isso.”
Em 1975, em uma entrevista, Ana dizia: “Onde minha mão andou, ninguém vai negar. Eu acho que o que é feito por minha mão, todo mundo conhece”. E gosta de repetir: “Meu sangue é negro, mas minha alma é de barro”. |